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CZESLAW MILOSZ
( POLÔNIA )
Czesław Miłosz foi um poeta, romancista e ensaísta de língua polonesa. Milosz nasceu em família de ascendência polonesa na Lituânia, quando o país ainda pertencia ao Império Russo. Cresceu em Vilna, onde cumpriu parte dos estudos, outra parte na Polônia.
Nascimento: 30 de junho de 1911, Šeteniai, Lituânia
Falecimento: 14 de agosto de 2004, Cracóvia, Polônia
Prêmios: Prêmio Nobel de Literatura, MAIS
Filmes: Valley of the Issa, The Century of Czesław Miłosz, MAIS
TEXTO IN ENGLISH - TEXTO EM PORTUGUÊS
INIMIGO RUMOR – revista de poesia. Número 11 – 2º SEMESTRE 2001. Editores: Carlito Azevedo, Augusto Massi. Rio de Janeiro, RJ: Viveiros de Castro Editora, 2001. 204 p. ISSN 415-9767. Ex. bibl. de Antonio Miranda
MEANING
— When I die, I will see the lining of the world.
The other side, beyond bird, mountain, sunset.
The true meaning, ready to be decoded.
What never added up will add up,
What was incomprehensible wil be comprehended.
— And if there is no lining to the world?
If a thrush on a branch is not a sign,
But just a thrush on a branch? If night and day
Make no sense following each other
And on this earth there is nothing except this earth?
— Even if that is so, there will remain
A work wakened by lips that perish,
A tireless messenger who runs and runs
Through interstellar fields, through revolving galaxies,
And calls out, protests, screams.
TEXTO EM PORTUGUÊS
Tradução de Mário Sérgio Conti
SIGNIFICADO
—Quando eu morrer, verei o avesso do mundo.
O outro lado, além do pássaro, da montanha, do poente.
O verdadeiro significado, pronto para ser decodificado.
O que nunca fez sentido fará sentido.
O que era incompreensível será compreendido.
—Mas e se o mundo não tiver avesso?
Se o sabiá na palmeira não for um signo
Mas apenas um sabiá na palma? Se a seqüência
De noites e dias não fizer sentido
E nessa terra não houver nada, apenas terra?
—Mesmo se assim for, restará uma palavra
Despertada por lábios agonizantes,
Mensageira incansável que corre e corre,
Corta campos interestelares, corta galáxias giratórias
E clama, reclama, grita.
POESIA SEMPRE. Ano 15 Número 30 2008. Polônia. Editor Marco Lucchesi. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. 178 p. No. 10 381
Exemplar da biblioteca de ANTONIO MIRANDA
Economia divina
Não achei que viveria momento tão singular:
Quando o Deus dos trovões e dos cumes rochosos,
O Senhor dos Exércitos, Kyros Sababoth,
Humilhasse mais duramente os homens,
Permitindo que agissem com bem quisessem,
Deixando-lhes as conclusões e não dizendo nada.
O espetáculo não lembrava, com efeito,
O ciclo de séculos das tragédias da realeza.
Estradas sobre vigas de concreto, cidades de vidro e ferro fundido,
Aeroportos inda maiores que territórios tribais
De súbito careceram de fundamento e ruíram.
Não em sonho, mas à luz do dia, porque amputados de si
Duravam como só dura o que não deveria durar.
Das árvores, pedras do campo, até dos limões na mesa
Fugiu toda a matéria e seu espectro
Não era mais que o vazio, fumaça numa película.
Deserdado dos objetos pululava o espaço.
Toda parte era parte alguma e parte alguma, toda parte.
As letras dos livros se apagavam, vacilavam e sumiam.
A mão não lograva traçar o signo da palmeira, o signo do rio, nem o
signo do ibis.
Num alarido de muitas línguas era anunciada a morte da palavra.
O lamento era proibido, porque só lamentava a si mesma.
Acometidas de inexplicável tormento as pessoas
Despiam-se nas praças, para que sua nudez intimasse o juízo.
Mas em vão ansiavam por horror, piedade e fúria.
Pouco fundamentados
Eram o trabalho e o descanso
E o rosto e os cabelos e os quadris
E toda e qualquer existência.
Tradução de HENRYK SIEWIERSKI e MARCELO PAIVA DE SOUZA
(Não mais. Brasília, Ed. UnB’’, 2003)
Linhagem
A Jan Lebestein
Temos decerto muito em comum
Todos nós, que crescemos nas cidades barrocas
Sem indagar do rei fundador da igreja
Que vemos todos os dias, das princesas que moravam no palácio
Ou dos arquitetos e escultores, seus nomes,
Seu lugar e seu tempo, e o quanto foram famosos.
Preferimos jogar bola sob a fila dos pórticos lavrados,
Correr junto às sacadas se escadas de mármore.
Depois, nos eram mais agradáveis os parques sombreados
Do que o amontoado dos anjos de gesso lá em cima, sobre nossas
cabeças.
Algo ficou, no entanto, a predileção da linha curva,
Altas espirais de opostos como chama,
E as mulheres enfeitadas em riquíssimos drapejos
Para dar brilho à dança dos esqueletos.
Tradução de HENRIQUE SIEWIERSKI e JOSÉ SANTIAGO NAUD
(Quatro poetas poloneses. Curitiba: Secretaria de Estado da
Cultura, 1994.)
RIOS
Com nomes diversos só a vós glorifiquei, ó rios!
Vós sois o leite e o mel e o amor e a morte e a dança.
Nas grutas misteriosas, da fonte que lateja entre pedras cobertas de
musgo,
Onde a deusa verte o seu jarro cheio de água viva,
Dos mananciais claros na relva, onde os duendes sussurram,
Começa o vosso curso e meu curso, êxtase e transitoriedade.
Desnudo, ergui o rosto para o sol, dirigindo meu rujo o remo
compassado,
E passavam florestas de carvalho, as pradarias, o pinhal,
Cada curva abria à minha frente a terra da promessa,
O fumo das aldeias, rebanhos sonolentos, o vão das andorinhas,
escarpas de areia.
Devagar, passo a passo, entrava em vossas águas
E a correnteza enlaçava-me os joelhos quedamente,
E eu confiava a ela, que me levou, e fui nadando
Pelo grande céu do sul triunfante e espelhado.
Também estive em vossas margens no começo das noites de verão.
Quando surge a lua cheia e os lábios juntam-se no rito.
Ouço em mim como outrora esses murmúrios junto ao cais,
A chamada, um abraço e o alívio.
Partimos com o rebate do sino das cidades inundadas.
Os legados das antigas gerações saúdam os esquecidos.
E o vosso curso incessante leva além e além.
Nem é nem foi. Dura apenas o instante eterno.
Tradução de HENRIQUE SIEWIERSKI e JOSÉ SANTIAGO NAUD
(Quatro poetas poloneses. Curitiba: Secretaria de Estado da
Cultura, 1994.)
Maria Madalena e eu
Os sete espíritos danados de Maria Madalena,
Dela expulsos pela oração do Mestre,
Adejam no ar em vôo de morcego,
Enquanto ela, sentada sobre uma perna
E a outra dobrada no joelho, fica olhando
O dedo maior do pé e a correia da sandália.
Como se visse tal espanto pela primeira vez.
Seu cabelo castanho enrola-se em anéis
E cobre-lhe as costas, fortes, quase másculas,
Pousando no ombro em um vestido azul escuro,
Debaixo do qual fosforece sua nudez.
O rosto algo pesado, e o pescoço preparando
A voz fosca, baixa, como quem rouca.
Mas não vai dizer nada. Para sempre entre
O elemento da corporeidade e outro elemento,
O da esperança, assim ficará, e no canto do quadro
As iniciais do pintor que a desejava.
Tradução de HENRIQUE SIEWIERSKI e JOSÉ SANTIAGO NAUD
(Quatro poetas poloneses. Curitiba: Secretaria de Estado da
Cultura, 1994.)
Leituras
Me perguntaste sobre a vantagem de ler os Evangelhos em grego.
Te respondo que convém percorrermos
Com o dedo letras mais duráveis que as gravadas em pedra,
E pronunciando devagar esses sons
Conhecermos a verdadeira dignidade da fala.
Forçado pela atenção, aquele tempo será
Como o temo de ontem, apesar das caras de César
Serem hoje outras nas moedas. Tal éon perdura,
Medo e desejo são iguais, azeite, vinho
E pão dizem o mesmo. Também a multidão volúvel
Ávida por milagres como outrora. Até os costumes,
As festas de bodas, os remédios e os lamentos lúgubres
Diferem só na aparência. Por exemplo, naquele tempo
Também houve muitos chamados no texto
Daimonizomenoi, isto é, os que endemoinham
Ou endemoinhados (porque “possessos”
Os domina nossa língua por fantasia do dicionário).
Espasmos, espuma na boca e ranger de dentes
Não passavam então por sintomas de talento.
Os endemoinhados não dispunham de revistas nem de écrans,
Raramente mexiam com arte e literatura.
Mesmo assim a parábola sobre eles continua vigente:
O espírito que os domina pode entrar nos porcos,
Que desesperados pelo choque repentino
Entre as duas natureza, a deles e a de Lúcifer,
Atiram-se na água e se afogam. E tudo se repete sem parar.
Assim, em cada página, o leitor persistente
Enxerga os vinte séculos como vinte dias
De um éon que certa vez teve o seu fim.
Tradução de HENRIQUE SIEWIERSKI e JOSÉ SANTIAGO NAUD
(Quatro poetas poloneses. Curitiba: Secretaria de Estado da
Cultura, 1994.)
Mestre do meu ofício
À memória de Joroslaw Iwaszkiewicz
Seus poemas me seduziam pelas cores puras
Ou por sua paixão pela morte?
Porque sem dúvida era apaixonado pela morte.
Era ela a verdade e o conteúdo da ilusão de existir.
Ela toma
O rosa dourado das torres,
O verde pálido dos mármores,
O violeta dos céus,
O vermelho das passagens das flautas.
Ela cala para sempre o grito do amor:
“No nevoeiro lilás das cinzas,
Entre restolhos e grises,
Tal como nódoa alaranjada
A sarça ardente de tua nudez.”
***
Agora vejo que na doçura dionisíaca do morrer há algo de imprudente.
A finitude de pessoas e coisas não é o único mistério do tempo.
Que desafia o vencermos a tentação de nossa subserviência.
E à beira mesma do abismo pôr a mesa, sobre ela o copo, o cântaro e
duas maçãs,
A fim de que celebrem o inatingível Agora.
Tradução de HENRIK SIEVIERSKI e MARCEELO PIVA DE SOUZA
(Não mais. Brasília, Ed. UnB, 2003.)
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Página publicada em dezembro de 2023
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